domingo, 26 de outubro de 2014

A (minha) verdade sobre as vacinas dendríticas e a clínica milagrosa na Alemanha que descobriu "a cura para o cancro"

Hoje saiu uma notícia no JN, com declarações de uma responsável de pediatria do IPO, sobre as vacinas dendítricas e as campanhas para ajudar crianças a ir à Alemanha receber um "tratamento milagroso". Finalmente alguém tem a coragem de meter a boca no trombone sobre essas "milagrosas vacinas dendríticas", enfrentando assim aquela espécie de lóbi de indignados das redes sociais (com âncora em alguns orgãos de comunicação social, como o CM e TVI), que dizem mal de tudo e passam a vida a divulgar peditórios de origens (e fins) no mínimo duvidosos. A propósito desses peditórios, a Polícia Judiciária já investigou alguns, poucos segundo parece, mas eu acho que devia investigar todos para aumentar a confiança nos legítimos. A verdade sobre as "vacinas milagrosas" da Alemanha é que não passam, pelo menos para já, de um negócio montado para alimentar redes paralelas de gente que se aproveita da desgraça alheia para fazer dinheiro. Eu já escrevi à tal clínica da Alemanha a pedir resultados, factos, estatísticas, etc., que seria óbvio, pelo menos para mim, terem de ser publicadas num site, num jornal científico, sei lá num sítio oficial qualquer. Tive de insistir várias vezes até obter uma resposta, que foi evasiva e quando chegou era uma mão cheia de... nada. Os únicos documentos (links) que enviaram diziam respeito a experiências com 10 ou 15 anos, muito provavelmente descontinuados por algum motivo, e que diziam respeito ao sistema imunitário (e não cancro em si). Aliás, é curioso que essa clínica não possa aplicar o seu "tratamento milagroso" para o cancro aos próprios alemães, mas que em Portugal é um "sucesso" desde que uma jornalista(?) da TVI fez uma reportagem, ou melhor publicidade gratuita, à dita "clínica" (que, já agora, e para quem não sabe porque se limita a fazer "partilhas no Facebook", é uma modesta vivenda numa aldeia alemã, a fazer lembrar as clínicas ilegais de abortos dos anos 80...). Compreendo que, devido à posição que ocupa, a responsável do IPO tenha que ter algum pudor em classificar esta gente, mas eu não tenho, e para mim não passam de burlões, charlatães que arrastam atrás de si uma horde de ignorantes que são os idiotas úteis que os ajudam a divulgar o seu negócio/burla. Também compreendo, no entanto, o desespero de quem, mesmo tendo noção da realidade, quer experimentar tudo aquilo que estiver ao seu alcance para si ou um seu familiar, nos casos que a medicina ainda não consegue ajudar. A minha indignação não tem nada a ver com esses, obviamente, mas sim contra os vampiros que se aproveitam dessa fragilidade para fazer dinheiro.

Aqui fica a notícia:

Crianças do IPO sem dendríticas porque terapia não tem fundamentação
26.10.2014
A especialista do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, que dirige um serviço que acolhe anualmente cerca de 160 novas crianças com cancro, das quais perto de 30 acabam por morrer, sublinhou que esta opção não tem qualquer razão económica.
"Não tivemos qualquer constrangimento, corte, redução ou recusa em nenhum tipo de terapêutica", frisou.
Filomena Pereira lamenta toda a confusão que se segue aos anúncios nas redes sociais de campanhas para a ida de crianças com cancro até clínicas onde são administradas as células dendríticas.Alguns estudos indicam que as células dendríticas - que atuam ao nível do sistema imunitário e são usadas em tratamentos ainda experimentais - "têm alguns efeitos que mais não são do que prolongar alguns meses a vida de alguns doentes com determinado tipo de tumores, nomeadamente da próstata e alguns tipos de tumores cerebrais".
Segundo a especialista, não há qualquer indicação para a aplicação de dendríticas em pediatria e, dentro das células dendríticas, "é importante fazer a diferenciação entre o que é investigação séria e o que é negócio".
Para Filomena Pereira, "há um centro europeu e um nos Estados Unidos onde está a ser feita investigação séria sobre a utilização de células dendríticas e, depois, há as redes de negócios montadas, por exemplo, na Alemanha".
"É bizarro que, na clínica tão anunciada por aí fora, os doentes (daquele país) não possam ser tratados, porque a clínica não tem autorização para tratar os doentes alemães", sublinhou.
Questionada sobre quem, na sua opinião, ganha com esse "negócio", a especialista enumerou: "Ganham os do transporte, os do alojamento, os tradutores, as coisas paralelas, como as chamadas alimentações saudáveis".
"Há toda uma série de coisas que, organizadas em grupo, em peso, fazendo de certa forma o contra à medicina convencional ou científica, e pelo facto de serem chamados alternativos, imediatamente se tornam em corpo e como corpo têm mais força, não só para embater com a medicina convencional, como para poderem ganhar dividendos de natureza vária", adiantou.
Ainda assim, Filomena Pereira acredita que "haja gente que seja o mais honesto possível quando pensa que está a fazer bem nessa área".
"Acredito solenemente, mas, de facto, alimentam-se redes de negócio", disse.
A especialista lembrou que já são três as crianças que apanham um avião para vir morrer em Portugal, depois de fazerem tratamentos com as células dendríticas.
"Nas redes sociais há o apelo à ida, mas depois não há o seguimento, nem sequer há muitas vezes a suspensão da angariação de fundos", afirmou.
Filomena Pereira considera que existe "um abuso das redes sociais, nomeadamente um abuso de exposição das crianças".Isto, "quando, cada vez mais, nós estamos sujeitos a segredo profissional, a confidencialidade, a uma série de regras de confidencialidade", afirmou.
"São as próprias famílias que expõem as crianças das formas mais incríveis", disse, defendendo o fim do "vazio legislativo nesta área".
Estas notícias mediáticas envolvendo crianças com cancro "prejudicam" o trabalho dos profissionais do IPO, mas também os pais e os próprios doentes, declarou.
"Fica sempre um pouco de descrença, de insegurança. Prejudica o nosso trabalho e, sobretudo, prejudica os outros pais, pois transmite-lhes essa mesma insegurança e descrença".
Sobre o ato de decidir, a médica sublinha: "Não somos deuses. Mas temos que usar aquilo que acreditamos ser ou que internacionalmente se usa como melhor prática clínica".