Radioterapia única existe nos IPO e na Fundação Champalimaud, mas taxa de sucesso divide especialistas.
Tratar o cancro com o mínimo de efeitos secundários, permitindo ao
doente deslocar-se uma só vez ao hospital para controlar o crescimento
dos tumores com eficácia é uma receita desejada por todos. Corresponde
ao que tem sido divulgado sobre a radioterapia de aplicação única, mas
nem todos os especialistas concordam com o otimismo e até alertam para a
necessidade de se limitar as expectativas. A técnica está disponível em
vários serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente nos
três institutos de oncologia (IPO), embora a Fundação Champalimaud
afirme ter nas suas instalações um equipamento único em Portugal para
aplicar esta terapêutica. “Esta não é uma técnica exclusiva de um
determinado aparelho”, garante Ângelo Oliveira, do colégio de
Radioncologia da Ordem dos Médicos.
Este equipamento existe na
Fundação Champalimaud desde 2012, e, segundo a instituição, foi mesmo o
primeiro a ser instalado em todo o mundo. A porta-voz Maria João Soares
diz que a fundação já tratou perto de 600 lesões com recurso ao
equipamento, mas que “como a eficácia e a segurança destas máquinas
ainda não foi comprovada”, estabeleceu uma parceria com o hospital
americano Memorial Sloan Kettering “para desenvolver a sua aplicação na
cura de cancros primários”.
A instituição defende que este
tratamento alcança taxas de sucesso no controlo do crescimento dos
tumores que ultrapassam os 90%, embora reconheça que a técnica não é
indicada para todos os doentes, explicando que “um em cada quatro” não
poderão recorrer à radioterapia de aplicação única devido à localização
do tumor. Esta eficácia, contudo, é contestada. “A radioterapia é um
método de controlo local da patologia, não resolve a doença sistémica,
podendo haver vantagens na aplicação desta técnica a doentes com tumores
do sistema nervoso central”, explica Nuno Miranda, coordenador do
Programa Nacional para as Doenças Oncológicas.
Carlos Caldas,
cientista português responsável pela disciplina de Oncologia Clínica na
Universidade de Cambridge, diz que “esta técnica não é única e,
sobretudo, não é mágica” e que as vantagens face à radioterapia com mais
sessões não está comprovada em termos de sobrevida do doente. “Não é
uma panaceia. O que importa é verificar as taxas de sobrevida e
compará-las com as dos doentes que não utilizaram esta técnica e estes
estudos ainda não foram feitos”, defende.
Protões ou fotões
Os
progressos ocorridos nas últimas décadas permitiram alcançar maior
precisão e rigor na identificação dos doentes, no planeamento e na
utilização das técnicas disponíveis e no controlo dos tratamentos
oncológicos. Um dos avanços foi a utilização em doses elevadas ou muito
elevadas de radiação e a aplicação com grande precisão num número muito
limitado de sessões, entre uma e cinco intervenções.
Inicialmente
utilizada para lesões intracranianas, a técnica tem sido alargada a
outras áreas do corpo, com uma utilização crescente, como explica Ângelo
Oliveira, do colégio de Radioncologia. No entanto, o especialista
acredita que para ter valor científico, o critério que determina as
taxas de sucesso tem de ser “explicitado e validado” porque “os
resultados são variados e dependentes da patologia e dos objetivos do
tratamento”. Ângelo Correia diz ainda que “atualmente, a única técnica
de radioterapia não disponível no SNS é a utilização de protões, havendo
nesses casos a necessidade de encaminhar os doentes com esta indicação
para o estrangeiro, por ser um tratamento ainda inexistente em
Portugal”. A radioterapia de aplicação única não usa protões, mas sim
fotões.
A diretora clínica do IPO de Coimbra diz que a aplicação
da radioterapia em sessão única começou a ser utilizada na instituição
em 2008, mas que até lá chegar foram precisos oito anos de
“identificação de recursos humanos e aquisição de competências”. Paula
Alves classifica esta técnica — um acelerador linear — como complexa e
exigindo o envolvimento de uma equipa multidisciplinar, mas, sobretudo,
diz que o momento crítico é sempre a seleção dos doentes, decisão, que
está “fortemente dependente da experiência das equipas”.
“Há
experiências muito positivas, cientificamente validadas, que indiciam
uma vantagem clínica e por isso vários hospitais públicos portugueses,
como os IPO do Porto, Coimbra e Lisboa, executam-nos sempre que existe
justificação clínica”, afirma João Oliveira, diretor clínico do
instituto de Lisboa. Quanto a “tratamentos originais, diferentes dos
utilizados pelos hospitais públicos equipados para radioterapia” defende
que “só se compreende em regime de ensaios clínicos e, portanto, desde
que estejam rigorosamente asseguradas as exigências legais previstas
para estes estudos, incluindo a gratuidade para os doentes que para eles
se ofereçam como voluntários”. O que não acontece na Fundação
Champalimaud, onde custa cerca de seis mil euros.
Expresso, 10 Maio 2015