domingo, 14 de abril de 2013

«Existe um cancro adormecido em cada um de nós», por Dr. David Servan-Schreiber

«À semelhança de todos os seres vivos, o nosso organismo produz constantemente células defeituosas. É assim que surgem os tumores. Mas o nosso organismo também está equipado com mecanismos que detectam e controlam essas células. No Ocidente, uma pessoa em cada quatro morrerá de cancro, mas três em quatro não. Os seus mecanismos de defesa entrarão em acção e elas morrerão devido a outras causas.

Eu tenho um cancro. Foi diagnosticado pela primeira vez há 15 anos. Submeti-me a tratamentos convencionais e o cancro entrou em remissão, mas tive uma recidiva. Decidi então aprender tudo o que pudesse para ajudar o meu organismo a defender-se da doença. Enquanto médico, investigador e ex-director do Centro de Medicina Integrativa da Universidade de Pittsburgh, tinha acesso a informações de valor inestimável sobre métodos naturais para prevenir ou ajudar a tratar o cancro. Há sete anos que o mantenho à distância. Neste livro, gostaria de contar-lhes as experiências - científicas e pessoais - por que passei e com as quais aprendi.(...)

Porque é que o aconselhamento nutricional ainda não faz parte do tratamento convencional do cancro?

Há 5.000 anos que todas as grandes tradições médicas recorrem à alimentação para influenciar o curso da doença. A nossa não constitui excepção. No século V a.C., Hipócrates disse: "Que a tua alimentação seja o teu tratamento e o teu tratamento a tua alimentação." Em 2003, a Nature publicou um extenso artigo que concluía -- num estilo mais moderno -- "A quimioterapia através de fitoquímicos comestíveis é actualmente considerada um método económico, fácil de aplicar, aceitável e acessível de controlar e gerir o cancro". No entanto, embora a alimentação seja um pilar das medicinas ayurvédica, chinesa e árabe, qual é o médico ocidental que se refere a ela no exercício da sua profissão?

Quando voltei ao meu oncologista após a segunda operação, no seguimento da recidiva do meu tumor cerebral, estava a preparar-me para iniciar um ano de quimioterapia. Perguntei-lhe se devia alterar a minha alimentação, de modo a tirar o máximo partido do tratamento e evitar outra recidiva. Apesar de todos os cuidados que me dispensara, apesar da paciência e da gentileza adquiridas ao longo de anos a lidar com pacientes desesperados, a sua resposta foi perfeitamente estereotipada:

"- Coma o que lhe apetecer. Não faz grande diferença. Mas, faça o que fizer, tente não perder peso."

Consultei os manuais de Oncologia que serviram de base à formação de muitos dos meus colegas. O melhor exemplo é Cancer: Principles and Practice of Oncology. Da autoria do Professor Vincent T. DeVita, ex-director do National Cancer Institute, que se tornou famoso por descobrir a cura para a doença de Hodgkin através da quimioterapia combinada, a sua leitura é essencial para futuros oncologistas. Na última edição deste livro notável, que dá o tom a toda a oncologia a nível mundial, não existe um único capítulo dedicado ao papel da nutrição no tratamento do cancro ou na prevenção de recidivas.

À semelhança de toda a gente que teve um cancro, cumpro um ritual semestral obrigatório, para verificar que o meu organismo continua a combater as células cancerosas que escaparam inevitavelmente à cirurgia e à quimioterapia. Na sala de espera do grande centro médico universitário americano onde vou fazer os exames necessários, há uma série de panfletos à disposição dos pacientes. Da última vez que lá estive, li atentamente um prospecto sobre "Nutrição para pessoas com cancro durante o tratamento - um guia para os pacientes e as suas famílias". Descobri sugestões interessantes, tais como "comer mais fruta e vegetais", "fazer semanalmente refeições sem carne" e "reduzir o consumo de alimentos gordos e de álcool". Depois, na secção sobre nutrição "após o tratamento", encontrei uma afirmação desconcertante: "Existe muito pouca investigação que indique que os alimentos consumidos possam evitar uma recidiva do cancro".

Os meus colegas oncologistas salvaram-me a vida, e tenho uma profunda admiração pela sua dedicação diária aos pacientes que sofrem desta doença particularmente penosa. No entanto, sinto-me na obrigação de perguntar: "Como é possível que estes médicos excepcionais continuem a promover uma ideia tão falsa?" Depois de conversar com alguns deles, que até considero meus amigos, consegui uma resposta a esta pergunta. Na realidade, até existe mais que uma.

À semelhança de todos os médicos, os oncologistas procuram constantemente progressos científicos que possam ajudar os seus pacientes. Todos os anos assistem a congressos, de modo a manterem-se a par de novos tratamentos. Assinam revistas científicas nas quais são publicados novos estudos, bem como revistas profissionais de um tipo mais comercial que contêm uma cobertura jornalística da opinião médica corrente.Várias vezes por mês, recebem delegados de propaganda médica, que lhes apresentam os últimos medicamentos lançados no mercado. Sentem que estão a par de tudo o que se passa na sua área e, em geral, até estão.

Mas, na cultura médica, as alterações nas recomendações feitas aos pacientes são apenas permitidas numa única circunstância: quando foi realizada uma série de estudos "duplo-cego" que provem a eficácia de um tratamento em seres humanos. Isto designa-se, legitimamente, por "medicina baseada em provas".

Comparada com estes estudos experimentais realizados em seres humanos, a epidemiologia é meramente encarada como uma fonte de hipóteses. Do mesmo modo, para um oncologista que passa os dias em contacto com pacientes, os estudos laboratoriais realizados em células cancerosas ou em ratos também não são levados em consideração. Enquanto não forem comprovados por ensaios a grande escala em seres humanos, não constituem "prova". Mesmo quando esses estudos são publicados na Nature ou na Science, não costumam chegar ao monitor do radar destes especialistas, que simplesmente não têm tempo para explorar o trabalho colossal realizado em laboratório. A menos que os resultados obtidos lhes sejam comunicados pelas suas fontes habituais, costumam pensar: "Não pode ser verdade, ou eu já saberia."

A validação de um medicamento anticancro até à fase da experiência em seres humanos custa entre 500 e 1000 milhões de dólares. Este tipo de investimento parece justificar-se se considerarmos que até o Taxol, um medicamento relativamente secundário no combate ao cancro, rende anualmente mil milhões de dólares à empresa detentora da patente. Por outro lado, do ponto de vista financeiro, não é possível investir tais quantias para demonstrar a utilidade dos brócolos, das framboesas ou do chá verde, pois estes produtos não podem ser patenteados e a sua venda jamais cobrirá o investimento inicial.
«Até no caso dos cardiologistas, que estão dispostos a admitir que é possível diminuir o risco de doença cardíaca através da alteração dos hábitos alimentares, a nossa cultura médica incentiva-nos a menosprezar esta abordagem e a optar [apenas] por uma solução farmacêutica.(...)»
Mesmo quando existem, os estudos realizados em seres humanos sobre as vantagens dos alimentos no combate ao cancro nunca atingem o calibre dos ensaios clínicos com medicamentos. Os estudos realizados em animais são mais comuns, financeiramente comportáveis e podem ajudar-nos a perceber qual o caminho a seguir. Infelizmente, o conceito de que os ensaios realizados em ratos nada provam em relação aos seres humanos, é verdadeiro.

Por tudo isto, é essencial incentivar as fundações e as instituições públicas a financiar estudos em seres humanos sobre os benefícios dos alimentos no combate ao cancro. No entanto, estou convencido de que não é necessário aguardar pelos tais resultados a grande escala para começar a incluir alimentos anticancro no nosso regime alimentar. Está claramente comprovado que o tipo de alimentação que adoptei e que aqui recomendo não apresenta qualquer risco e, pelo contrário, traz benefícios para a saúde que ultrapassam largamente os seus efeitos sobre o cancro. Este tipo de alimentação pode ter efeitos benéficos sobre a artrite, doenças cardiovasculares, Alzheimer, etc.(...)»

Retirado do livro anticancro do médico David Servan-Schreiber